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Entrevista com Leir Moraes

11/01/2008 17:39:50

Flávio Azevedo

Um dos personagens Riobonitenses mais respeitados da atualidade, o jornalista, poeta, escritor e advogado Leir Moraes, tem o privilégio de reunir sabedoria, cultura e inspiração, qualidades que ele expressa com simplicidade e simpatia. Quem passa pela Praça Ângelo Longo, no bairro da Caixa D`Água, não imagina que aquele senhor de 72 anos, vestido com trajes humildes, batendo papo com amigos no trailer Amarelinho é uma das mentes mais brilhantes da cultura do município. E foi exatamente nesse cenário, onde os amigos o cumprimentam pelo nome de “doutor”, que Leir Moraes concedeu uma entrevista ao repórter Flávio Azevedo, na tarde da última terça-feira (8), recheada de histórias e opiniões sobre inúmeros assuntos, sobretudo política e jornalismo. “Escrever é como jogar sinuca, um jogo que é vencido por aquele que conhece a descaída da mesa”, revela Leir, metaforicamente.

Folha da Terra: Ao longo de sua trajetória de jornalista, qual acontecimento o senhor aponta como inesquecível?
Leir Moraes: Primeiro quero parabenizar o Jornal Folha da Terra, pela iniciativa de retomar essas entrevistas, porque a memória é muito curta, e se ela não for gravada em um jornal, a história do município se acaba. Vou destacar dois fatos. O primeiro foi em 1954, quando toda a equipe do Jornal Juventus foi expulsa da Câmara Municipal de Vereadores de Rio Bonito. Além de mim, o Juventus era composto por Tarquínio Freire Ribeiro e Ângelo Longo. Lembro que cobrimos a sessão da Câmara Municipal, no telhado da biblioteca, que era ao lado da Casa Legislativa. Outro fato foi o encontro do Samanguaiá, quando Paulo Torres não queira permitir que Raimundo Padilha fosse nomeado Governador do Estado. Eu fiz a cobertura desse evento para o Grande Jornal Fluminense.

FT: Qual a diferença do jornalismo de hoje para o que era feito há 50 anos?
LM: A legislação era diferente de hoje. Por isso, Ângelo Longo e eu fundamos, em 1953, o jornal A Montanha, e nós não éramos jornalistas. Esse jornal era de oposição e não aceitava publicidade para não ficar subjugado aos interesses comerciais. Vale ressaltar, que personagens como Carlos Lacerda, Hélio Fernandes e outros grandes jornalistas nunca fizeram faculdade de jornalismo. Eu, por exemplo, fiz faculdade de direito, não de jornalismo. Aliás, na universidade não se aprende nada que se vive cá fora. Então, não há diferença nenhuma, o que difere é apenas a vocação. Eu considero o jornalismo uma arte. Por isso, se a pessoa não tem vocação, vai fazer o curso apenas para obter o diploma de 3º Grau, porque como profissional não vai a frente.

FT: Alguns jornalistas mais experientes afirmam que os profissionais de hoje não tem a qualificação dos profissionais de antigamente. O senhor concorda com essa opinião?
LM: Eu não concordo. Eu concordo que existe vocação e acho que a vivência dentro do dia-a-dia do jornal é fundamental.

FT: Todos os jornalistas concordam que existe uma grande diferença, entre fazer jornalismo na cidade grande e em cidades de pequeno porte, como Rio Bonito. Em sua opinião, quais são essas diferenças e o que causa esse diferencial?
LM: Meu saudoso amigo e jornalista, Wilson Cléber Moreira, que era locutor do Grande Jornal Fluminense, dizia que “fazer jornalismo no interior é uma temeridade”. É bom saber que os grandes jornais vivem às custas das agências de publicidade, assim como as agências de publicidade, vivem às custas dos grandes jornais. Mas no interior, quando o anunciante fecha um anúncio com o jornal, ele acha que está fazendo um favor ao dono do jornal e não vê o retorno que pode alcançar com a propaganda. Nas grandes cidades, porém, a publicidade vem das agências, que fazem pesquisa de mercado, público alvo, veículo mais aceito etc. Já no interior é essa dificuldade, o dono de jornal vive com sacrifício e quase pedindo esmola.

FT: E quanto a política, existe influência, haja vista que em algumas oportunidades as autoridades se comportam como um “coronel”. Qual a diferença?
LM: O seu jornal, inclusive, já foi vítima disso! Um antigo prefeito daqui de Rio Bonito – que prefiro não mencionar o nome – publicava os Atos Oficiais em um jornal de São Gonçalo. E essa publicação em São Gonçalo era para esconder a Lei do público. Mas uma Lei não pode ser escondida, ela tem que ser de conhecimento do povo. Tanto é, que ninguém pode se eximir de culpa alegando que não conhece a Lei. Como o morador de Rio Bonito iria tomar conhecimento da Lei? Na época eu fiz uma representação ao Ministério Público e o órgão determinou que a publicação ocorresse em um jornal local, como manda a Lei. Foi aí que as publicações oficiais vieram ao Folha da Terra.

FT: Em época de eleições é muito comum o aparecimento de jornais, mas assim que termina o processo eleitoral, eles desaparecem repentinamente. Qual a sua opinião sobre isso?
LM: Uma palavra só: Picaretagem.

FT: Falando de política, em Rio Bonito qual a disputa municipal mais acirrada que o senhor já acompanhou? LM: Lembro de uma época em que a família Mendonça mandava na cidade. Era Chico Mendonça, Astério Mendonça e a UDN – a qual eu pertencia – sempre perdia as eleições. Depois, a grande disputa foi entre Aires Abdalla e Moraes Filho, o Bidinho, que se alternavam no poder. O interessante é que esses dois, nunca conseguiram eleger seus sucessores.

FT: Por que isso (a perpetuação no poder) é tão comum nas cidades do interior?
LM: Porque no interior está a maior influência do poder público. Mas hoje isso é geral. O ex-presidente Fernando Henrique, por exemplo, não conseguiu eleger seu sucessor.

FT: Rio Bonito atualmente está representado no Congresso Nacional, com a deputada Solange Almeida e na Assembléia Legislativa, com o deputado Marcos Abrahão. Que leitura o senhor faz desse atual momento político da cidade?
LM: Eles não ocupam cargos executivos, eles fazem parte do legislativo e só podem propor. Mas foi muito bom, porque isso só havia ocorrido uma vez, quando conseguimos, em 1950, eleger Celso Peçanha, como deputado federal e Hipólito Porto, deputado estadual.

FT: Mas a rusga que existe entre Marcos Abrahão e Solange Almeida é pública e antiga, desde a época em que ela era prefeita e ele vereador. O senhor acha que isso pode atrapalhar a atuação de ambos os políticos?
LM: Acho que não, porque eles devem ser inteligentes o bastante, para entender que precisam se unir. Pelas entrevistas que eu tenho visto, parece que eles já entenderam essa necessidade.

FT: A implantação do Complexo Petroquímico do Estado Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí está gerando grande expectativa, principalmente porque a Petrobras está anunciando a criação de cerca de 200 mil empregos diretos e indiretos na região. Uma das preocupações dos 11 municípios que integram o Conleste (Consórcio Intermunicipal dos Municípios do Leste Fluminense) é com o impacto imobiliário que já chegou em Niterói e Maricá. Em sua opinião, quais os impactos positivos e negativos do Comperj em Rio Bonito?
LM: Em matéria de emprego muita gente pode ser beneficiada, mas no setor imobiliário não, porque os terrenos em Rio Bonito são muito caros e em Itaboraí custam R$ 0,10. O que poderíamos temer seria a favelização de nossa cidade, como houve em Boa Esperança, no 2º Distrito, há alguns anos atrás. Outra coisa é a geografia complexa da cidade. Ninguém vai subir a serra, mais que 200 metros, e a cidade, já está ocupada. Inclusive, acho que aqui chegarão pessoas que tem um melhor poder aquisitivo, porque em Niterói encontram-se apartamentos mais baratos do que aqui.

FT: Retornando à política, 2008 é um ano de eleições municipais. Estão na disputa os grupos do atual prefeito José Luiz Antunes – que não confirmou se disputa as eleições, nem indicou um substituto –, a deputada federal Solange Almeida – que está apoiando a pré-candidatura do vereador Reis – e o deputado Marcos Abrahão – que já confirmou sua pré-candidatura. Que expectativa o senhor está alimentando para essa disputa?
LM: Eu espero que vença o melhor, mas a prova de quem é o melhor é com eles.

FT: No dia 29 de novembro, a Câmara de Vereadores rejeitou as contas do prefeito José Luiz Antunes. Quem achava que a oposição poderia tirar algum lucro disso, foi surpreendido pela cassação do mandato da deputada Solange Almeida (que se mantém no cargo), na semana seguinte. Como o senhor acha que vai ficar a disputa política entre os dois grupos, a partir dessa situação?
LM: Como eu escrevi em um artigo no jornal Folha da Terra, eu aprendi em mais de 50 anos de advocacia, que a Lei não protege quem dorme, e o prefeito não apresentou defesa. É um problema diferente de Solange, porque ela foi eleita com cerca de 60 mil votos, e em Silva Jardim tem cerca de seis mil eleitores, que não poderiam decidir a eleição para ela. Não quero me pronunciar sobre o que a Justiça possa decidir, porque tem ditado que diz: “cabeça de juiz, batina de padre e bumbum de criança, ninguém sabe o que sai de dentro”.

FT: O senhor foi vereador em uma época, em que o parlamentar não tinha salário. O político não era um profissional, aliás, era uma época mais romântica. Hoje, além do salário, os grupos políticos, quando negociam, o interesse financeiro sempre participa da decisão. Como o senhor avalia esse quadro?
LM: Hoje existe um grande sistema de corrupção – que está se acabando – pelo menos em termos nacionais. Municipal eu não tenho conhecimento, mas deve ser troca de interesses, então eu não posso ter uma avaliação do quadro que virá. A esperança que nós temos é que cada prefeito, cada vereador, sejam legítimos representantes do povo. O eleitor tem que saber em quem votou e cobrar do seu candidato. Mas cobrar atuação e não tijolo, telha e benefícios particulares.

FT: Alguns pré-candidatos ao Legislativo estão participando pela primeira vez, esse ano, da disputa eleitoral. Alguns nomes estão tendo até uma boa aceitação. O senhor acredita que alguém pode surpreender os favoritos e chegar a Câmara Municipal?
LM: Acredito, porque o povo não é bobo e está observando quem está no poder e quem nunca esteve. Uma renovação é sempre salutar, principalmente na política, porque não se pode manter um cargo indefinidamente. Tem que haver um rodízio, que resulta conseqüentemente em uma renovação de idéias. Acredito que alguns novos candidatos podem surpreender, e alguns antigos permanecerão, pela atuação que tiveram.

FT: O senhor não acha que além da renovação política, também seria necessário o eleitor renovar sua maneira de pensar?
LM: Os eleitores estão compreendendo aos poucos, que não se pode confiar no político corrupto. Eles estão mudando. Não em termos de ideologia, mas de ideal, que é fazer alguma coisa pela nação. Isso já se refletiu quando o presidente Lula foi eleito. A mudança foi da água para o vinho. Mudaram de um sujeito extremamente culto, para um analfabeto. As pessoas acreditaram na mudança. Aliás, o próprio Lula mudou.

FT: Mas alguns se sentiram traídos com essa mudança do presidente Lula. Inclusive, desse descontentamento nasceu o PSOL. Alguns sociólogos e cientistas políticos também afirmam que o presidente abandonou o PT e criou o Lulismo. Qual a sua visão disso?
LM: É um comportamento de governo. Quem é oposição, é oposição e traça um caminho. Mas quando se está no governo, tem que contemporizar. Tem que agir com consciência, porque se não você derruba tudo. Com uma política radical no campo econômico, por exemplo, não se chega a lugar nenhum, a não ser no fundo do poço. Podemos citar o exemplo da Venezuela e da Bolívia, que com homens despreparados no controle da nação estão tendo dificuldades. Lula, porém, conseguiu, em tempo, raciocinar que ele não poderia manter aquele esquerdismo radical. Não se pode desprezar a potência dos Estados Unidos, mas sem permitir que países subdesenvolvidos sejam explorados. Eu só acho que ele esquece que nós também somos subdesenvolvidos e dá mais atenção aos de fora.

FT: O senhor acredita que com essa orientação, em um curto período de tempo, em 10 anos talvez, a política seja encarada com uma visão mais coletiva do que individual?
LM: Eu espero que sim, porque política é a arte do bem comum, eu aprendi isso, depois que ela virou a arte do bem próprio. Foi aí que piorou.

FT: A Polícia Federal tem deflagrado uma série de operações de combate a bandidagem, mas também contra a corrupção que existe nos três poderes, sobretudo o Judiciário. O senhor acredita que esses são os primeiros passos para uma moralidade desejada por todos nós?
LM: A atuação da Polícia Federal tem sido exemplar, inclusive, têm pessoas que pensam ser ela a polícia do governo, e não é. Ela tem autonomia própria, auxiliada pelo Ministério da Justiça. Pode ser que haja sim, o renascimento da política partidária. Isso, se permanecerem essas atitudes que estão sendo tomadas e as penalidades que estão sendo adotadas. A política ficou complicada quando os governos passaram a negociar cargos com a oposição, para obter maioria nas assembléias.

FT: Os moradores de cidades de menor porte, como Rio Bonito, não se preocupavam com a política nacional, a não ser a classe política. Hoje, as pessoas estão mais participativas. Isso significa que Rio Bonito está deixando de ser uma cidade pequena, ou é uma tendência geral?
LM: É uma tendência nacional. Todos querem o melhor para si e para o seu lugar. Então, o acompanhamento dessa evolução tem que ser feito com maior interesse pelo povo, que deve cobrar do seu representante o que eles prometeram. A mídia está ensinando isso a população.

FT: O comportamento agressivo de alguns jovens tem sido noticiado pela mídia. O que chama mais atenção é o fato de serem de classe média alta. Alguns estudiosos afirmam que isso ocorre, porque os jovens não possuem mais objetivos concretos, como os jovens de décadas passadas. Como o senhor vê essa situação?
LM: Não posso pensar de modo geral. Esses jovens agressores são criminosos comuns, mas acho que eles são uma exceção. Em todos os segmentos existem os bons e os ruins. Tem jornalista ladrão, e jornalista direito. Tem advogado ladrão e advogado sério. Isso acontece em todos os segmentos. O afastamento político do jovem aconteceu depois da revolução, da qual eu participei. Não a Revolução de 64, mais a de 68, quando foi instituído o Ato Institucional nº 5. A revolução criou esse medo da política. Por que um sujeito de bem iria entrar no processo político? Arriscar a ser preso inocente?

FT: Desde a abertura democrática, que chegou em 1985, as pessoas não estão mais a vontade para participar da vida política da nação?
LM: Sem dúvida a democracia é o melhor sistema de governo que existe e, sobretudo no Brasil, ela é plena, ninguém tem dúvida disso. Onde existem restrições, como nos próprios meios de comunicação, não é uma ditadura, mas sim, uma questão de interesses da empresa.

FT: Um novo ano está iniciando. Que mensagem o senhor deixaria para os nossos leitores?
LM: Eu quero que todos sejam muito felizes em 2008. Que tenham consciência dos atos que estão praticando quanto à eleição. Sobre a vida pessoal, que cada um cuide da sua e que Deus ampare a todos!

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