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Entrevista com Carlos José Martins Gomes

24/01/2008 08:44:05

Flávio Azevedo

O Desembargador Carlos José Martins Gomes, é, na atualidade, um dos filhos mais ilustres de Rio Bonito. Cursou história e direito ao mesmo tempo, formando-se em 1972. Em 1976 já concluía o doutorado de direito na UFRJ. Na década de 80 lecionou por dois anos, Direito Penal, na Universidade Santa Úrsula. Antes de trabalhar no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 1984, ele foi juiz das comarcas de Paracambi e Magé. Depois de 22 anos atuando no TJ, foi nomeado Desembargador, em 31 de outubro de 2006.
Filho de Theonas Martins Gomes e Anita Navega Dias Martins Gomes, Carlinhos, como é chamado pelos amigos, é o caçula de quatro irmãos. Aos 58 anos, ele é casado com a vereadora Rita de Cássia Borges Antunes Martins Gomes, com quem tem quatro filhas: Talita (22), Camila (18), Ester (17) e Sara (5). O Desembargador recebeu o repórter Flávio Azevedo, na sua residência, na manhã da última terça-feira (15), quando falou sobre vários assuntos, entre eles as próximas eleições municipais: “Que usemos o direito de voto com consciência”, alertou.

FT – Ao longo de sua trajetória como juiz de direito, qual experiência o senhor considera inesquecível?
CJ – Em 1985, quando eu era juiz da comarca de Paracambi, eu precisei lidar com um caso de invasão de terras. Lembro que foram necessários quatro dias de diligências e bastante firmeza no sentido de cumprir uma ordem legal que estava sendo impedida. Na época ainda não se falava no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas nós decidimos pelo cumprimento da Lei, da proteção de propriedade e da ordem social. O interessante é que os fazendeiros da região não acreditavam no cumprimento da ação judicial e preparavam um revide. Ou seja, se não cumpríssemos a Lei poderia haver um incidente muito grave. Mas no final a diligência foi cumprida e a garantia dos direitos foi preservada. Foi uma situação tão séria, que a minha ação foi mencionada em um editorial do Jornal do Brasil, que abordou essa questão que ainda hoje é objeto de estudo.

FT – Existe muita diferença do direito que se pratica na atualidade, para o que era praticado quando o senhor começava a sua carreira?
CJ – Tudo evolui e o direito também. Mas a essência do direito, que é dar a cada um, o que é seu, para prestigiar o equilíbrio da sociedade permanece. Hoje, sem dúvida, a facilidade é bem maior, pois existem cursos de direito em vários municípios vizinhos, inclusive, em Silva Jardim. Os ônibus universitários que facilitam a vida dos estudantes etc. Mas Rio Bonito já mereceria um curso superior, que possui uma história muito interessante.

FT – Antigamente os advogados eram poucos. Hoje, o número desses profissionais cresce a cada dia, assim como a procura pelos seus serviços. Isso significa que o brasileiro atualmente possui uma noção maior dos seus direitos?
CJ – Sem dúvida! Afinal, as pessoas estão mais bem informadas. Além disso, existe o estímulo para que as pessoas procurem os seus direitos. Porém, em meu modesto juízo, acho que isso deveria ser repensado, pois o Estado – sempre tão pródigo em soluções mirabolantes – deveria abrir um caminho mais harmonizador para que as causas não chegassem ao litígio, que sempre gera desconforto e um sentimento de punição. Alguém ser “convidado” a comparecer ao Fórum para uma audiência é sempre constrangedor. Outra preocupação é que estão deixando para o Judiciário a solução dos conflitos sociais, quando na verdade, os poderes Legislativo e Executivo teriam maiores condições de criar mecanismos de pacificação.

FT – Percebemos isso, sobretudo na reforma política. Está bem nítido que o judiciário não gostaria de se envolver nessa situação, mas como a classe política não cumpre o seu papel, parece que não resta alternativa ao judiciário. É isso realmente que vai acontecer ou o senhor acredita que eles vão mudar de atitude?
CJ – É uma questão difícil. Porque a política, que é a arte de conduzir a sociedade deveria traçar seu próprio rumo. Quando essas transformações não são realizadas pela classe política, o pensamento político pode perder a sua originalidade. Na verdade, a classe política recebe uma procuração do povo para representá-lo através do voto. Mas existem temas que vem se arrastando ao longo de muitos anos e nunca se resolve. Porém, tenho muita esperança no fortalecimento do município, que se trabalhar com um pouco mais de autonomia poderia atender com mais eficiência os anseios da população. Isso fica bem claro na época de eleições municipais, que tem uma maior participação do eleitor.

FT – Um município se divide em células menores, os bairros, que também são divididos em células ainda menores, as famílias, que tem deixado a desejar na formação de seus membros. Com essa visão, o senhor concorda que uma mudança realmente efetiva teria que começar em casa?
CJ – Concordo. Quando a família é organizada a sociedade é melhor. Apesar de algumas mudanças, a base de tudo é a família. Isso quer dizer, que todas aquelas ações que tenham como objetivo o fortalecimento da família serão benéficas para a sociedade. Podemos citar a questão do emprego. A família precisa de uma base material, para poder sobreviver e se manter. Vejo com grande preocupação a sociedade rural. Em Rio Bonito, por exemplo, a nossa área rural não tem mais o vigor de outrora. Por isso, o êxodo rural incha as nossas cidades. Penso que os governos federal, estadual e municipal deveriam direcionar políticas que favorecessem o crescimento intelectual, moral, econômico e social das pessoas, para que alcançássemos uma sociedade mais igualitária e fraterna.

FT – Recentemente uma pesquisa de qualidade, que foi realizada nas principais universidades de direito do país apresentou resultados abaixo da crítica. Em sua opinião, qual a influência disso para a classe?
CJ – Isso ocorre em função do número de universidades na atualidade. No entanto, o problema às vezes também é do aluno, que não se dedica como deveria. Mas eu acredito muito no potencial das pessoas e acho que elas podem superar as dificuldades.

FT – Inúmeros professores de direito afirmam, que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem aplicado avaliações com o índice de dificuldade muito grande, sob o argumento de deixar de fora quem não reúne condições de advogar. O senhor concorda que essa é a melhor maneira de corrigir essa falha?
CJ – A meu ver, essa avaliação funciona como um segundo vestibular. Mas particularmente, eu fico com a questão individual. Embora eu concorde com a avaliação, acho que seria necessária uma boa avaliação da universidade.

FT – No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi aplaudido pela população quando definiu a questão da fidelidade partidária. No entanto, a mesma instituição ficou muito mal vista, quando em algumas operações da Polícia Federal de combate a bandidagem e a corrupção, descobriu-se o envolvimento de pessoas do alto escalão do judiciário nos episódios de corrupção. Na posição de Desembargador, como o senhor analisa esses fatos?
CJ – Assim como os outros poderes, o judiciário está sujeito a críticas, pode errar e até cometer ilícitos. Mas esses episódios que ocorreram é fruto de uma maior transparência das ações. Acredito que o judiciário não pode sair da sua posição de ponto de equilíbrio entre os poderes. Sendo assim, ele não pode estar engajado, para não perder sua imparcialidade. É por isso, que os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – independentes e harmônicos entre si ainda é a melhor forma para a manutenção do bem comum. Entretanto, é bom saber que devido a complexidade da nossa sociedade, o judiciário é um conjunto de órgãos. É a Justiça Federal, Trabalhista, Militar, Eleitoral, a Justiça Comum, enfim, o judiciário poderia realmente ter um desenho mais atualizado, mas isso ainda não aconteceu.

FT – As notícias de violência entre jovens tem sido constantes. Sobretudo os de origem mais abastada que estão agredindo corriqueiramente pessoas de outros níveis sociais. Enquanto os pais dos agressores tentam amenizar a situação, os agredidos exigem o rigor da lei para os agressores. Como o senhor analisa essa situação?
CJ – Infelizmente a violência faz parte da sociedade. Em 1982, um assalto a banco em São Bernardo do Campo - SP, resultou na morte de uma senhora chamada Laura. Ela foi assassinada junto com sua filha Talita de apenas oito meses. Os assaltantes atiraram, porque a mãe – que havia ido ao banco abrir uma caderneta de poupança para a filha – não conseguiu fazer a criança parar de chorar. A polícia chegou ao local e aconteceu a tragédia: cinco assaltantes mortos e Laura e Talita também. Várias correntes passaram a pedir a implantação da pena de morte e o endurecimento das leis. O mais interessante foi a postura de Vladimir Tomarevski, pai e esposo das vítimas. Ele lamentou a tragédia que se abateu sobre a sua família, mas passou a trabalhar em favor dos presidiários, pois todos aqueles que executaram a sua família eram ex-presidiários. Ele era um homem religioso – evangélico se não me engano – e reagiu ao contrário daquele sentimento de revolta. Vladimir deixou a mensagem de que o infortúnio que se abateu sobre ele, só ocorreu porque Estado e sociedade não fizeram a sua parte para recuperar aquelas pessoas. Hoje se fala até em pena de morte, que é uma confissão de incompetência para recuperar o preso. Eu penso muito na questão da municipalização do controle da violência. Ou seja, o município seria o grande instrumento para esse controle, inclusive, na questão prisional.

FT – Um pensamento malicioso diz que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros. O senhor concorda que isso acontece e favorece a impunidade?
CJ – A impunidade é fruto da estrutura que nós vivemos. Mas temos visto pessoas importantes sendo punidas e serem processadas. Já no exterior, onde existe uma civilização mais adiantada que a nossa, vemos casos difíceis onde até se estimulou a impunidade, que além de criar a desigualdade, também estimula a descrença que todos somos iguais. Muito se fala da prisão especial. Mas eu acho que a cela especial deveria ser um direito de todos, porque é injusto colocar qualquer pessoa nesses presídios de péssimas condições do nosso país. O correto é todos serem colocados em regime especial. Ou seja, uma prisão que reunisse os requisitos mínimos de dignidade, porque um homem condenado a constantes constrangimentos fica revoltado e se torna um criminoso.

FT – O senhor abordou o tema da municipalização do combate a violência. No ano passado, o prefeito José Luiz Antunes criou um projeto que gerou muita polêmica. O projeto previa que a Guarda Municipal fosse armada. Qual a sua visão com relação a esse projeto?
CJ – Não vejo com simpatia. Penso que é muito arriscado armar o poder municipal. A repressão aos crimes deve vir do Estado. Uma Guarda Municipal armada poderá resultar em grandes desvios, pois ela terá vínculos muito estreitos com a autoridade política. No meu entendimento será o retrocesso a um caudilhismo de forças que pode prejudicar os direitos do cidadão. Penso que o município deve trabalhar as instituições. Poderá até ter efeitos práticos, mas a meu juízo é perigoso, porque a relação política nas cidades do interior é muito próxima.

FT – Falando de política, no episódio em que a Câmara Municipal de Vereadores rejeitou as contas do prefeito José Luiz Antunes, o advogado Leir Moraes disse, na entrevista da última semana, que “a Lei não protege quem dorme”, porque o prefeito não apresentou sua defesa tempestivamente. Com a sua vasta experiência no campo do direito, qual a sua opinião?
CJ – Essa é uma questão essencialmente política. Embora existam os pareceres técnicos, a decisão final é do poder político. Então, sob o aspecto político, eu não vi como um ganho para o município essa decisão. Respeito a opinião da Câmara de Vereadores, mas ao meu juízo os motivos foram inteiramente políticos, e quando há uma questão política, o argumento técnico fica prejudicado.

FT – Para o senhor que tem experiência no direito, quais seriam as orientações que o senhor daria ao prefeito, para se defender dessa situação?
CJ – Isso depende da assessoria do prefeito. Abre-se um leque de ações muito grande, porque o político tem uma sensibilidade especial no sentido de escolher as opções mais adequadas para essas questões. É difícil dizer, somente a avaliação da oportunidade do momento é que poderá dizer qual seria uma posição melhor ou mais adequada para superar essa dificuldade.

FT – O senhor acha que é uma situação difícil de reverter, ou não é tão complicado como têm afirmado os membros da oposição?
CJ – Nós teríamos que conhecer bem o processo. Sem esse conhecimento não dá para avaliar qualquer tipo de solução ou de dificuldade para esse caso.

FT – Rio Bonito atualmente está representado no Congresso Nacional, com a deputada Solange Almeida e na Assembléia Legislativa, com o deputado Marcos Abrahão. Que leitura o senhor faz desse atual momento político da cidade?
CJ – Essas representações são importantes porque dão força política ao município. Vou citar um exemplo. Recentemente houve um pedido ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, José Carlos Murta Ribeiro, para a construção de um novo Fórum aqui em Rio Bonito. Seria o caso dessas forças políticas empenharem-se nessa questão. Uma faculdade também seria uma sugestão que beneficiaria Rio Bonito e toda a região. A construção do CTI do Hospital Regional Darcy Vargas (HRDV) também é outra situação em que essas autoridades poderiam atuar. É um projeto caro, mas com recursos federais e estaduais é possível realizar esse projeto. Penso que todos nós poderíamos ser convidados a participar de uma campanha pública que mobilizasse todas as pessoas e instituições a colaborar com o que pudessem. Uma campanha que deixasse de fora as preferências políticas e partidárias, porque todos – seja rico, seja pobre – seremos beneficiados. Afinal, quando ficamos doentes recorremos ao HRDV. Considero essa uma bandeira extraordinária.

FT – Sobre o Fórum, o senhor sabe como anda essa situação?
CJ – O prefeito José Luiz Antunes tem todo interesse, nós também pudemos contribuir, mas agora, como dito anteriormente, depende da influência dos nossos representantes.

FT – A implantação do Complexo Petroquímico do Estado Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí está gerando grande expectativa, principalmente porque a Petrobras está anunciando a criação de cerca de 200 mil empregos diretos e indiretos na região. Muitos estão esperando que o índice de violência na região seja ampliado. Em sua opinião, que ferramentas podem evitar que essa previsão se concretize?
CJ – É um investimento que atingirá todos os municípios da região. É por isso que acho importante cada um estar atento aos impactos do empreendimento e aos recursos que serão investidos. Todo grande empreendimento gera deformações, mas se o município participar ativamente das ações da Petrobras, o progresso chegará sem prejudicar a vida e a harmonia social.

FT - Este ano, estão na disputa das eleições municipais, os grupos do atual prefeito José Luiz Antunes, da deputada federal Solange Almeida – que está apoiando a pré-candidatura do vereador Reis – e o deputado Marcos Abrahão. Que expectativa o senhor está alimentando para essa disputa?
CJ – O que posso dizer sem detalhar qualquer preferência, é que já está na hora de deixarmos de lado os nossos interesses pessoais e elegermos pessoas que tenham melhor condição de atingir a finalidade da administração pública, que é bem comum. Então, o norte do eleitor deve ser optar por quem vá gerir – esse bem comum – melhor ou com maior condição de trabalho e lisura. Se nós continuarmos a optar pelo interesse pessoal, nós não iremos contribuir com a democracia. A sorte está com o eleitor, pois é ele que dá a procuração – o voto – ao político que vai representá-lo. A nossa expectativa é que seja no Executivo, seja no Legislativo, vença o melhor mandatário. A responsabilidade é exclusivamente nossa. Que usemos o direito de voto com consciência.

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