29/01/2008 01:28:15
Flávio Azevedo
Mineiro da cidade de São Sebastião do Maranhão, o Monsenhor João Alves Guedes está em Rio Bonito há cerca de cinco anos, onde começou seu ministério há 33 anos. Possuidor de um conhecimento eclético, Monsenhor Guedes, como é mais conhecido viveu dois anos na cidade de Frascati, na Itália, onde estudou teologia pastoral, residiu três anos em São Paulo, onde cursou filosofia e em Salvador, na Bahia, onde se pós-graduou em liturgia. Aos 59 anos, Monsenhor Guedes possui várias responsabilidades hierárquicas na organização católica. Além de ser Vigário Episcopal do Vicariato Rural, ele também acumula as funções de diretor da Escola Diaconal, atua como Secretário Executivo da Associação dos Liturgistas do Brasil e é assessor de liturgia do Estado do Rio de Janeiro. Autor de quatro livros, ele destaca o mais recente: “Domingo, Nascimento de Uma Nova Criação”. Escrito em 2007, a obra esse ano será traduzida para o inglês e o espanhol. Bacharel em filosofia, teologia e pós-graduado em filosofia e liturgia, Monsenhor Guedes recebeu na manhã da última quarta-feira (23), em sua residência paroquial, o repórter Flávio Azevedo, quando abordou temas como castidade, aborto, política e religião. “Quem defende a cultura da morte não descobriu a cultura da vida. O dia que as pessoas descobrirem a beleza da vida, esse assunto será esquecido”, diz Monsenhor, em relação ao aborto.
Folha da Terra – Ao longo de sua trajetória como padre, qual seria a experiência que mais marcou o seu ministério?
Monsenhor Guedes – Foi sentir como Deus opera de maneira grande, apesar da pequenez de nossas atitudes. Ou seja, eu faço o mínimo e, Deus opera maravilhas aproveitando o mínimo que eu tenho a oferecer.
FT – Existe muita diferença entre uma cidade grande e uma de menor porte para o serviço sacerdotal?
MG – O importante é estarmos abertos a realidade de cada pessoa e de cada local. A pastoral urbana é diferente da pastoral do interior. O que muda é a pedagogia do agir. Os métodos empregados na cidade grande são diferentes dos que usamos nas pequenas cidades. Mas eu quero crer, que precisamos conviver e trabalhar as nossas diferenças. Esse é um grande desafio.
FT – Falando em diferenças, quem é mais religioso? O homem ou a mulher?
MG – Sempre se falou que a presença feminina é maior que a masculina nos trabalhos da igreja e nas concentrações eclesiásticas. Mas aqui em Rio Bonito está meio a meio. Mesmo porque, o trabalho que desempenhamos aqui é “dele com ela e dela com ele”. Isso tem produzido efeitos muito positivos. Os trabalhos estão sendo encarados por homens e mulheres. Mas inegavelmente a presença da mulher ainda é maior.
FT – A imprensa tem noticiado o comportamento hostil de jovens que tem agredido pessoas, sobretudo aquelas de origem em outras classes sociais. Qual a opinião do senhor sobre isso?
MG – Embora o homem não seja essencialmente produto do meio, inegavelmente a sociedade está transformando muita gente. Um comportamento agressivo, geralmente retrata as práticas da sociedade em que o sujeito está inserido. Os noticiários, por exemplo, de 11 manchetes, oito falam de morte, seqüestro e roubo. Na imaturidade do indivíduo – que muitas vezes cresce em estatura, mas não no seu psiquismo e no comportamento maduro – ser agressivo, bater e machucar é normal. O filho que apanha muito dos pais, no futuro também irá bater, pois ele assimilou isso como algo normal.
FT – Especialistas tem concluído, que além da educação atual ser permissiva, os pais não estão sabendo impor limites aos filhos. Ou seja, esses problemas começam dentro de casa. O senhor concorda com isso?
MG – Você abordou dois pontos importantes: educação e família. Mas infelizmente, de muitos anos para cá, existe um relativismo muito grande entre os pilares da história, e o que é desprezível e passageiro. O nosso método educacional enfrenta a falta de seriedade na busca pelo aprofundamento cultural. Alguém pode perguntar: “para que isso? Se tem gente levando vantagem sem ter cultura?”. Isso demonstra que caminhamos na linha do ter. Com isso, a linha do ser fica na relatividade. Entra nesse conjunto – com muita defasagem – a família. Trata-se a família como qualquer sociedade. Se continuar assim, a família não existirá amanhã. Destruir a família hoje é semear vento... E quem semeia vento colhe tempestade.
FT – Alguns segmentos dizem que esses problemas começam, quando o brasileiro não escolhe devidamente seus representantes políticos. Fala-se também em renovação, mas principalmente na postura do eleitor. Como a igreja atua nessa situação?
MG – Não percebe isso quem não quer. A sociedade cresceu e se desenvolveu em vários aspectos. Mas politicamente estamos fracos e distantes de alcançar um país independente da tirania e da mentira política. É uma pena! Porque política é arte de bem governar, mas o que vemos é a política como maneira de levar vantagem. Somos obrigados a dar o nosso voto, para empregar um monte de gente que acaba trabalhando contra nós. Não de maneira geral, mas os governantes eleitos democraticamente são tiranos conosco... Estão nos matando... Envergonhando-nos... Mancham a nossa história. Somos vítimas de um sistema e estamos prisioneiros dos nossos irmãos, porque fala-se muito e faz-se pouco... Promete-se muito e rouba-se muito mais.
FT – Quando uma pessoa religiosa decide concorrer a algum cargo político, sempre é reprovada. O argumento, é que uma pessoa religiosa não participa de política, porque política virou sinônimo de desonestidade. O senhor concorda com isso?
MG – As pessoas confundem política com politicagem. Político com politiqueiro. Política é uma ciência, é algo bonito, é uma arte que leva as pessoas a pensar no bem comum, na defesa da cidadania, na luta pelos direitos e pelo respeito. Politicagem é o contrário. Olha-se primeiramente o bem particular, o ganhar mais, mesmo que outras pessoas sejam prejudicadas. Por isso, a sociedade está com nojo. É tanta conversa vazia e nenhuma ação concreta. É uma mentirada! Precisamos fazer uma reflexão. A igreja atua conscientizando, e não formando bancada, porque muitos candidatos se apresentam com pele de ovelha e logo quando ganham se tornam lobos ferozes. Estamos em um ano de eleição. Então, por favor! Vamos olhar direito e condenar o candidato que vem na linha da compra, do interesse e do oferecimento. Por outro lado, o eleitor também se deixa envolver por essa cultura mentirosa. Se assim fizermos, amanhã poderemos falar desse assunto tão bonito, mas mal tratado, destruído e morto, que é a política.
FT – Preocupado com a violência, o prefeito José Luiz Antunes preparou um projeto para armar a Guarda Municipal, que foi rejeitado pela Câmara de Vereadores. Qual a sua visão sobre esse tema?
MG – Antes de tudo é preciso desarmar o interior e o espírito. Não adianta termos 300 guardas armados em nossas praças, se o povo não é ordeiro, se não estivermos desarmados, se nossos partidos políticos não lutarem pelo bem comum. Armar o homem sem desarmar o seu coração é apenas acrescentar arma. E onde se acrescenta arma, há uma maior possibilidade de aumentar a guerra.
FT – Alguns estudiosos acusam a televisão e sua influência como uma das culpadas por problemas sociais, como a violência. São filmes, novelas e programas como o Big Brother Brasil, que tem como discurso, a preocupação em vigiar a vida alheia. Qual a sua opinião sobre esses conteúdos?
MG – Talvez nós estejamos olhando o Brasil, país de terceiro mundo, com a ótica que olhamos um país de primeiro mundo. É bom saber, que a TV deixou de ser um meio para ser um fim, para pessoas de todas as idades e classes. Ela se tornou um critério. É só a televisão mandar que a pessoa obedece, como se a sua mensagem fosse um critério de verdade. A TV não é culpada, mas é mal aproveitada, vista e apreciada. Além disso, a cultura do ter chegou tão forte na mídia, que nós compramos – e muito caro – imagens que contém sangue, esfolamento, seqüestro e avião caindo. E infelizmente, é isso que dá Ibope.
FT – O aborto tem sido debatido na sociedade, com a intenção de legalizá-lo. Que mensagem o senhor deixaria para quem concorda com a legalização do aborto?
MG – Quem defende a cultura da morte não descobriu a cultura da vida. O dia que as pessoas descobrirem a beleza da vida, esse assunto será esquecido. Precisamos promover a cultura da vida. É importante ressaltar, que essa forma de pensar não está ligada a religião, e sim, ao fato de sermos inteligentes. Quem defende o aborto não entende a legalidade, o dom e a grandeza da vida. Que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Se o aborto proporcionasse vida, eu seria a favor.
FT – Quase sempre, o aborto surge de uma gravidez indesejada, que geralmente vem de uma relação sexual irresponsável. E atualmente, as pessoas praticam sexo sem nenhum critério. Sobre a castidade. Qual o seu conselho?
MG – Tudo isso está interligado. Porque quem constrói a cultura da morte, usa o corpo do outro ou da outra, vive a cultura do prazer num mundo excêntrico, onde isso é normal e natural. A sexualidade humana existe em função da vida e retirá-la é desmontar a pessoa. Mas se a destruição das pessoas é normal, a apologia ao sexo passa a ser normal. Enquanto isso, meninas e meninas tornam-se pais inconseqüentemente e de forma abominável. É a corrente do sofrimento, porque sofre o casal, a criança que foi gerada e as famílias envolvidas. Ou seja, o sofrimento toma o lugar da felicidade. Defender a castidade não é por ser padre ou cristão. É uma questão de inteligência. O sexo respeitado e maduramente praticado não é um medo religioso, mas sim, demonstração de inteligência.
FT – Um assunto similar a esse é a fidelidade matrimonial. Nós temos conhecimento do esforço da igreja em manter os casais unidos. Além disso, o que a igreja e a sociedade podem fazer para a preservação da família e do respeito entre os casais?
MG – É pena que as pessoas analisem o trabalho da igreja sob uma ótica moralista e religiosa. Não é assim. Defender a família, a vida e trabalhar para o bem-estar da sociedade, geralmente ultrapassa a religião. Isso está dentro da nossa missão de seres inteligentes. Somos gente! Por isso, não abro mão do processo fiel e humano da família e do casamento. O que está em jogo não é uma moral pregada, mas uma vida que deve ser respeitada. A pastoral da família trabalha orientando: menino e menina! Olhem, conheçam, façam um bom namoro e noivado, para fazer um bom casamento.
FT – O Papa Bento XVI esteve no Brasil em maio de 2007 e participou da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe. Além de alertar os fiéis sobre a importância de uma participação mais ativa na igreja, ele também estava preocupado com a rápida expansão das igrejas neopentecostais. Qual a sua opinião sobre essa cultura do comércio religioso?
MG – A palavra religião vem da palavra latina religare, que significa religar o homem a Deus. Mas para fazer isso tem que haver um discurso, um método, uma ação, uma proposta concreta. Porque senão, certamente estaremos no mesmo processo da política: “muita palavra e nenhum ação”. Infelizmente, em nosso continente é fácil mentir. Aí se cria a religião como venda e compra. E nós que procuramos o ecumenismo ficamos pensando: como fazer ecumenismo com quem não pensa nas pessoas e tem como proposta apenas aumentar a renda? Então isso não é religião, é um comércio disfarçado de igreja. Nessa conferência que aconteceu em Aparecida, o assunto discutido foi a preocupação com o homem em uma sociedade onde Deus deve ser o centro. Evidentemente, existem segmentos religiosos maravilhosos e tem muita gente séria nas igrejas evangélicas. Aliás, sou amigo dessa gente... Mas existem aproveitadores que se servem de Deus para tirar do outro aquilo que não lhe é devido.
FT – Os escândalos são freqüentes no meio evangélico. No entanto, também existem escândalos no segmento católico, como as notícias de envolvimento sexual de padres com adolescentes. Muitos culpam, inclusive, o celibato. Como o senhor classifica essa questão?
MG – Sendo padre ou não, a miséria humana é comum a qualquer pessoa. Porém, o próprio Jesus disse: “atire a primeira pedra, quem não tem pecado”. Mas a formação presbiterial também sofre com a cultura sem conteúdo. O padre é fruto desse meio. Ele vem dessa família, dessa escola mal construída e mal administrada. Além disso, ele também anda pelos hospitais e postos de saúde tão mal tratados. Mesmo essa criatura se tornando padre, não está livre das seqüelas de toda uma sociedade doente. Às vezes a sociedade olha o padre como uma pessoa diferente, e não é. Mas a gama de impossibilidades que ele trás é a mesma que todos trazem. É claro que esse assunto pedofilia quando praticado por alguém da igreja dá mais repercussão. Embora nos bastidores sempre tenha muita maldade. Recentemente Monsenhor Júlio Lancellote foi envolvido em um caso desses, quando um sujeito imbuído de uma consciência mal formada acusou Monsenhor daquela maneira. Graças a Deus, dias depois a verdade apareceu. Esse é outro assunto que dá muito Ibope. Aliás, estupro, aliciamento ou a notícia de que alguém fugiu com a mulher do sujeito, também dá muito Ibope. O nosso país é muito grande e muito belo, mas pecamos ao deixar de colocar em primeiro plano o que é essencial para dar importância ao acidental.
FT – O Pólo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj) chega à Itaboraí prometendo impactos positivos e negativos para a região. Como a igreja está atuando para receber esse empreendimento da Petrobras?
MG – Graças a Deus todos os mentores desse desafio monumental têm nos recebido muito bem. Recentemente tivemos aqui em Rio Bonito, um encontro dos principais assessores do Comperj, com todo o clero de Niterói. Passamos uma tarde inteira conhecendo o projeto. Realmente a minha função nessa porção do Estado do Rio é estar atento, pois temos mais de 20 padres e diáconos para opinar e orientar as pessoas. Estamos adquirindo terrenos, e as prefeituras estão bastante abertas ao nosso apelo e caso seja necessário iremos ampliar os templos da região. Estamos estudando a Pastoral da Acolhida para preparar a acolhida das pessoas que por aqui chegarem. Estamos preparando um santuário, que será chamado de Santo Antônio Galvão, o primeiro santo brasileiro, que curiosamente esteve aqui em nossa região visitando Porto das Caixas, em um antigo convento que lá existia. É o primeiro santuário dedicado a ele, fora de Guaratinguetá.
FT – Algumas pessoas criticam essa participação ativa da igreja, alegando que o Brasil é um Estado laico. Esses grupos acreditam, que devido o empreendimento ser do governo, a opinião da igreja pode interferir nas decisões a serem tomadas. Como o senhor vê isso?
MG – É uma visão extremamente minúscula. Como você vai tratar de um assunto importante para a sociedade Riobonitense, deixando de fora a igreja católica? Aliás, a maioria das pessoas da cidade se declara católico e é batizado na igreja. Ter parceria com a igreja, não significa estar subordinado a ela, e a igreja não quer isso. A nossa participação não é impedir a capacidade de ação e de reflexão, mas estarmos prontos para darmos as mãos e caminharmos juntos, independente de credo do indivíduo.
FT – Qual a mensagem que o senhor deixaria ao leitor do jornal Folha da Terra?
MG – Uma mensagem de otimismo e alegria. Gosto sempre de dizer que sou uma pessoa feliz. Eu não tenho o direito de reclamar e de chorar, porque o que já consegui e o que eu proporciono, apesar das minhas fraquezas são coisas tão grandes, que eu não teria o direito de colocar as coisas negativas em primeiro plano. Eu acredito e quero continuar acreditando na consciência do cidadão Riobonitense. Peço que não me decepcionem. Peço também aos próximos candidatos a vereador e a prefeito, que continuem nos tratando bem e fazendo tudo para nossa cidade crescer, por que Rio Bonito pode crescer muito mais. Porque ficarmos pensando em coisas negativas como comprar e vender votos – se é que isto aqui existe – com tanta beleza que existe em nossa cidade. Enfim, eu sou feliz! Acredito na consciência do Riobonitense e, não quero que me digam o contrário. Deixe-me sorrir, porque eu quero fazer você sorrir. Abrace-me porque primeiramente, eu quero lhe abraçar. Além disso, eu confio em você como imagem e semelhança de Deus para quem e em quem, eu deposito toda a minha vida.
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